Antônio Oséas foi o terceiro colocado no vestibular de História da Universidade Federal Fluminense, em 1969. Era o auge da ditadura militar, e ele, na época com 21 anos, integrava grupos militantes de esquerda, combativos – e visados. Embora não fizesse parte da luta armada, ao ver colegas bem próximos serem perseguidos e presos, Antônio não teve outra escolha: precisou se exilar por cerca de três anos no Chile, antes mesmo de frequentar o primeiro dia de aulas na faculdade.

Quarenta e cinco anos, dois filhos e dois netos depois, Antônio é um dos 15,5 mil idosos inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cujas provas serão aplicadas neste fim de semana. Chegou a hora de ele tentar uma vaga no curso que não conseguiu fazer no passado e “fechar uma etapa que ficou aberta”:

– É um sonho de juventude. Chegou o momento de fazer algo que sempre quis. Nem penso em atuar na profissão, é mais para me dar uma resposta.

No ano passado ele já havia tentado, mas não conseguiu a pontuação suficiente. A experiência mostrou que o teste não é um bicho de sete cabeças.

– Não tenho uma rotina definida de estudos porque tenho que trabalhar. Mas me atualizo por meio da leitura de livros e revistas — comenta o aposentado que trabalha como jornalista freelancer. — Tenho só um pouco de preocupação com a minha letra, já que sempre usei máquina de escrever e, depois, computador. Por isso comecei a treinar caligrafia.

DESDE 2009, TRÊS VEZES MAIS CANDIDATOS

Levando-se em consideração o total de 8,7 milhões de inscritos no Enem, a marca de 15,5 mil idosos ainda corresponde a uma parcela bem pequena dos candidatos (0,17%). Trata-se, porém, de um contingente que apresenta crescimento mais acelerado do que o todo. Em 2009, quando a prova assumiu o formato atual, eram 4,7 mil idosos. Ou seja, o volume mais que triplicou.

A coordenadora pedagógica das turmas de educação de jovens e adultos do colégio carioca Sagrado Coração de Maria, Patrícia Fortuna, acredita que o crescimento é fruto de uma valorização das pessoas que retomaram os estudos em idades avançadas.

– Elas perceberam que o retorno aos estudos trouxe prestígio – observa. – Dois anos atrás, não tínhamos nenhum aluno nessa faixa etária. Atualmente, são três. Percebo que, quando eles decidem retomar os estudos, levam até o fim. Fazem simulados e dinâmicas e tiram suas dúvidas sobre a prova.

Na também carioca Escola Garriga de Menezes, onde o ensino de jovens e adultos passou a ser oferecido há dois anos, pelo menos quatro idosos concluíram o ensino médio e fizeram o Enem no ano passado. O diretor, Manuel Afonso, conta que dois deles foram bem-sucedidos e iniciaram cursos superiores em faculdades particulares.

A grande vantagem desse grupo, segundo explica, é ter bagagem cultural acumulada ao longo da a vida, um diferencial no exame.

Em meio a essa turma, há quem comece a planejar fazer o Enem com antecedência. É o caso de Maria das Neves, de 64 anos, que pensa em tentar no ano que vem. Ela parou de estudar aos 18 anos, quando deixou João Pessoa para viver no Rio. Aqui, trabalhou como doméstica, casou-se, criou dois filhos e, só em 2010, encontrou tempo para retomar os estudos.

– Se tudo der certo, termino o ensino médio no ano que vem. Quero fazer o Enem para cursar Direito. É uma profissão que admiro. Agora que comecei, quero continuar. Quem sabe não tento até um concurso público? – vislumbra Maria, que hoje vive com a ajuda da pensão do marido já falecido. – De qualquer forma, se for só para ganhar mais conhecimento já está valendo.

FONTE: O Globo

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